Um líder e o seu povo
Que me desculpem o
sentimentalismo, mas quando é clinicamente declarada a morte de Abraham Lincoln
e a realização apresenta o discurso do então Presidente dos EUA celebrando a
13ª Emenda – que elimina a escravatura na América, é debaixo dos aplausos dos
espectadores na sala de cinema que surge o genérico final de «Lincoln», o filme. E certamente que muitos dos presentes tiveram de fazer um esforço
para conter a emoção. Isto porque não foi decerto por acaso que Abraham
Lincoln, um homem grande e desajeitado fisicamente que vindo do interior de um
país ainda em construção, se alcandorou a um estatuto ímpar no coração do povo
norte-americano.
«Lincoln»,
de Steven Spielberg, evoca um dos períodos mais conturbados da passagem de
Abraham Lincoln pela presidência da América em plena Guerra da Secessão e que
duraria até à hora da sua morte, assassinado enquanto assistia a uma peça de
teatro. Neste período, Lincoln tenta e consegue aprovar a 13ª emenda da constituição
americana que determina a abolição da escravatura no país e debate-se ao mesmo
tempo com as centenas de milhares de mortos por uma guerra fratricida do norte
contra o sul. E isto numa interpretação magistral de Daniel Day-Lewis concedendo
a Abraham Lincoln uma candura e uma força que poderiam ser difíceis de obter
dada a extraordinária dimensão da personagem histórica.
Atravessado por
dilemas de ordem pessoal, social e política,
«Lincoln» é ainda um filme onde o debate interno que realiza acaba por ser
transversal a toda a humanidade já que falamos de dois elementos fundamentais
do ser humano: a questão racial e a democracia como sistema político. E estas,
para lá da já citada interpretação de Daniel Day-Lewis mas também de Tommy Lee
Jones, Sally Field, James Spader e David Strathairn, entre outros, acabam por
se transformar no elemento catalisador de toda a acção fazendo deste um filme
onde os diálogos têm uma riqueza transcendente sendo de realçar o fantástico
guião que serve a história. E se outro mérito não tivesse, «Lincoln» recorda-nos o que é o dever de servir o povo e porque é
que a democracia, pese ser espezinhada pela pobre classe política de hoje,
continua a ser o único sistema político capaz de conceder às pessoas uma vida
onde a liberdade e a dignidade não sejam meros elementos de retórica para uso
de poucos a pretexto dos restantes.
«Lincoln»,
ou Abraham Lincoln como preferirem, concede-nos ainda a possibilidade de
relembrarmos que grandes homens na posse de boas virtudes e grandeza de carácter já
foram eleitos para cargos onde hoje vemos tantas vezes estampada a mediocridade.
E em que o objectivo da governação está direccionado para as pessoas e não para
os números, o défice, ou, se me permitem o mau feitio, a merda que lhe queiram
chamar.
«Lincoln»,
de Steven Spielberg, com Daniel Day-Lewis, Sally Field, David Strathairn, James
Spader, Tommy Lee Jones, outros
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