domingo, 3 de fevereiro de 2013

Lincoln


 

 

Um líder e o seu povo

 

Que me desculpem o sentimentalismo, mas quando é clinicamente declarada a morte de Abraham Lincoln e a realização apresenta o discurso do então Presidente dos EUA celebrando a 13ª Emenda – que elimina a escravatura na América, é debaixo dos aplausos dos espectadores na sala de cinema que surge o genérico final de «Lincoln», o filme. E certamente que muitos dos presentes tiveram de fazer um esforço para conter a emoção. Isto porque não foi decerto por acaso que Abraham Lincoln, um homem grande e desajeitado fisicamente que vindo do interior de um país ainda em construção, se alcandorou a um estatuto ímpar no coração do povo norte-americano.

«Lincoln», de Steven Spielberg, evoca um dos períodos mais conturbados da passagem de Abraham Lincoln pela presidência da América em plena Guerra da Secessão e que duraria até à hora da sua morte, assassinado enquanto assistia a uma peça de teatro. Neste período, Lincoln tenta e consegue aprovar a 13ª emenda da constituição americana que determina a abolição da escravatura no país e debate-se ao mesmo tempo com as centenas de milhares de mortos por uma guerra fratricida do norte contra o sul. E isto numa interpretação magistral de Daniel Day-Lewis concedendo a Abraham Lincoln uma candura e uma força que poderiam ser difíceis de obter dada a extraordinária dimensão da personagem histórica.

Atravessado por dilemas de ordem pessoal, social e política, «Lincoln» é ainda um filme onde o debate interno que realiza acaba por ser transversal a toda a humanidade já que falamos de dois elementos fundamentais do ser humano: a questão racial e a democracia como sistema político. E estas, para lá da já citada interpretação de Daniel Day-Lewis mas também de Tommy Lee Jones, Sally Field, James Spader e David Strathairn, entre outros, acabam por se transformar no elemento catalisador de toda a acção fazendo deste um filme onde os diálogos têm uma riqueza transcendente sendo de realçar o fantástico guião que serve a história. E se outro mérito não tivesse, «Lincoln» recorda-nos o que é o dever de servir o povo e porque é que a democracia, pese ser espezinhada pela pobre classe política de hoje, continua a ser o único sistema político capaz de conceder às pessoas uma vida onde a liberdade e a dignidade não sejam meros elementos de retórica para uso de poucos a pretexto dos restantes.

«Lincoln», ou Abraham Lincoln como preferirem, concede-nos ainda a possibilidade de relembrarmos que grandes homens na posse de boas virtudes e grandeza de carácter já foram eleitos para cargos onde hoje vemos tantas vezes estampada a mediocridade. E em que o objectivo da governação está direccionado para as pessoas e não para os números, o défice, ou, se me permitem o mau feitio, a merda que lhe queiram chamar.

 

«Lincoln», de Steven Spielberg, com Daniel Day-Lewis, Sally Field, David Strathairn, James Spader, Tommy Lee Jones, outros

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