domingo, 26 de junho de 2011

A culpa


Ela, lindíssima e fascinante, semi-nua, apenas com os lençóis a cobrirem-lhe o corpo, ela ali, semi-nua, falando num ardor intenso, intelectual, empenhado e ele acariciando-lhe o corpo por debaixo dos lençóis, preso nas suas emoções e sentimentos muito mais que nas suas opiniões e pensamentos.

Retratos do artista quando jovem

[Eric Fischl, 1983]





Ainda eu rasgava o fundo dos calções por me empoleirar no ramo das árvores da quinta do meu avô quando tive a minha primeira paixão com final nada feliz. O pai dela era militar de carreira e a família andava sempre de malas às costas. Tinham chegado naquele ano à cidade e no início a minha timidez mais não permitia que falar-lhe dos assuntos que as razões escolares obrigavam. Ainda hoje recordo que quando ela se ria os seus olhos ficavam ainda mais brilhantes que o habitual e todo o seu rosto se abria numa luminosidade que me fascinava e eu ficava a olhá-la embasbacado e a sentir que era capaz de ficar horas a fio a contemplá-la. Apesar disso, fazia-o sempre muito discretamente para que não percebesse o meu interesse.
Como a casa dos meus avós não era muito longe da escola tendo apenas que serpentear através de um atalho de terra batida que ladeava um campo de oliveiras, fazia o caminho de regresso a pé. Até que um dia sucedeu o milagre e ela veio ter comigo. Linda como sempre, parou à minha frente e ignorando o rubor nas minhas faces perguntou-me se eu caminhava sempre sozinho depois de terminarem as aulas. Lembro-me de ter balbuciado um sim atrapalhado e quase inaudível. Mas a partir de então o mundo tornou-se melhor, mais alegre, mais feliz.
Apesar de frequentarmos apenas o sexto ano, ela parecia ter opinião sobre tudo. Tão depressa era discreta e terna como logo a seguir teórica e plena de vivacidade. E eu ali a tentar retorquir, a esbracejar parecendo dizer sim com uma mão e não com a outra. Para minha desgraça o ano escolar terminou, vieram as férias e no ano seguinte ela já não apareceu. Tentei saber o que acontecera e descobri que os pais se tinham separado e ela partira com a mãe para Viseu, terra onde viviam os seus avós maternos. Parece-me agora óbvio que apesar das suas ideias inflamadas sobre o mundo, fora o seu pequeno mundo familiar que desabara. E durante alguns meses, talvez tempo demais para uma criança de doze anos, tive de esperar que aquele amor desistisse de mim porque eu não me sentia capaz de desistir dele.





sábado, 25 de junho de 2011

Absolut Amy Winehouse




A notícia caiu entre os portugueses que nem uma garrafa de vodka a estatelar-se no alcatrão quente de uma estrada alentejana: a cantora Amy Winehouse cancelou a digressão europeia e já não vem ao Festival do Sudoeste. Segundo parece, a britânica gosta de álcool mesmo quando não é bom. E não é justo dizer-se que tenha desistido do concerto em Portugal pelo facto da Zambujeira do Mar ser no cu de Judas. A verdade é que Amy Winehouse tem aprendido muito com a sua própria experiência. Daí que se beber não canta. E, como se sabe, Winehouse bebe.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A Minha Versão do Amor






Três casamentos e um funeral

Se dúvidas ainda existem por aí de que um bom livro pode ser completamente desconjuntado por uma má adaptação cinematográfica, por favor que esse alguém seja meu convidado e assista a «A Minha Versão do Amor». O filme em má hora estreia Richard J. Lewis na realização de longas-metragens, depois de uma vasta carreira na televisão tendo até assinado alguns episódios de «C.S.I.: Crime Sob Investigação».
Mas comecemos pelos factos: Paul Giamatti não sabe representar mal, é certo, no entanto a sua química com Rosamund Pike, Minnie Driver e Rachelle Lefevre, que foram todas suas mulheres no filme, roça o grau zero. Depois, percorrer através das memórias do produtor de televisão Barney Panofsky [Giamatti] toda uma vida que vem desde os vinte e poucos e segue até à data da sua morte aos sessenta e muitos, requereria uma arte de maquilhagem e recomposição de gerações que não existiu já que as personagens nunca foram credíveis e os cenários mostram-se demasiadamente folclóricos para um filme do género. E, por último, como se o referido não bastasse, quem é que estando bom da cabeça pode imaginar que alguém com as características físicas de Dustin Hoffman poderia ser pai de alguém com as características físicas de Paul Giamatti? Provavelmente quem conhecesse a mãe, admito, mas como não é o meu caso achei deveras ridícula a ligação familiar de pai e filho entre Hoffman e Giamatti.
Inatacável mesmo é o fascinante percurso de vida da personagem principal. Sem dúvida que ter casado com três mulheres lindíssimas, ser um reputado produtor de cinema, ter vivido a juventude em Itália para quem é originário do Canadá, ser durante trinta anos perseguido pela acusação da morte do melhor amigo e, finalmente, ter conhecido a mulher dos seus sonhos precisamente no dia em que se casava com outra mulher são pretextos mais que suficientes para um bom filme. Mas não, infelizmente «Barney’s Version» roça a mais pura chatice e nem o Globo de Ouro dado a Giamatti esconde o facto de estarmos na presença de um filme falhado.
Percebe-se na realização a boa intenção de querer celebrar um percurso de vida rico e pouco comum, sobretudo pela autenticidade com que este se desenvolveu. Mas não e até onde supomos haver alguma mordacidade por parte de Lewis o que existe não passa de mera comédia involuntária. Por tudo isto, deseja-se que Richard J. Lewis tenha a capacidade de perceber onde falhou, baralhe e dê de novo e quanto a Giamatti nada como rever «Sideways» [2004], este sim um grande filme e que, por sinal, é até um filme bem regado. Se é que me faço entender.  



«Barney’s Version», de Richard J. Lewis, com Paul Giamatti, Dustin Hoffman, Rosamund Pike, Minnie Driver, Rachelle Lefevre e Bruce Greenwood

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Pela blogosfera acima


[Communion, 1997 - Eric Fischl]



 Em cada canto da blogosfera parece haver alguém a perguntar desesperadamente que  coisa é essa do amor que tão depressa nos faz sentir os melhores homens e mulheres do mundo como de imediato nos reduz a um monte de cacos. E há também quem se queixe de si mesmo por haver pessoas a quem tratámos bem mas que não nos apreciam e outras a quem voluntariamente ignoramos  a existência e que  nunca deixaram de ser amáveis connosco. Acreditem, o mundo não é um lugar fácil para se viver.


Hoje vou citar-te



Passou já muito tempo, mas foi das coisas mais bonitas que alguma vez me disseram. Involuntariamente ela citou Carlos Drummond de Andrade. «És apenas uma foto no meu telemóvel, mas como brilhas, como dóis.»

terça-feira, 21 de junho de 2011

A filha da fortuna






Olhei para a rua iluminada pelos quentes raios de Sol do primeiro dia de Verão e surpreendeu-me o bairro humilde de Lisboa. A casa onde toquei a campainha do primeiro andar era num edifício de um bloco de apartamentos pouco condizente com a sua fama e condição económica, suponho. Era esperado e não estranhei que não perguntassem quem tocava quando ouvi o zunir da fechadura de abertura automática da porta da rua. Ao deparar com a mulher que escreveu em jornais e vendeu já milhares de livros, quase me esquecia de a cumprimentar. Durante mais de duas horas conversámos muito. Sobre nada mas sobretudo de livros. E de cinema, claro. Ainda me recordo do seu olhar a perscrutar-me do alto do seu metro e sessenta e muitos e da sabedoria de uma vida de mais de setenta anos certamente bem vividos. «Que idade tem?», perguntou-me. Disse-lhe a minha idade que ela repetiu parecendo questionar a veracidade da minha resposta. Joguei à defesa: «depreendo parecer mais velho aos seus olhos!?» «Não, nada disso…», sorriu. «…é que é pela sua idade quando a vida começa realmente». Foi a minha vez de sorrir, aquela mulher tinha de facto muitas histórias da vida dentro de si. Por mim ter-me-ia deixado ficar por lá a conversar sem tempo nem hora. Mas como não levara a escova de dentes e o pijama, voltei. E aqui estou eu a recomeçar este blogue exactamente no sítio onde o tinha deixado ficar em ponto morto.




sábado, 11 de junho de 2011

Por um mundo bem melhor






Confesso que não me apetece escrever muito e ainda menos me apetece escrever uma crítica com cabeça, tronco e membros sobre «Num Mundo Melhor» que, como sobejamente sabem, é o filme dinamarquês que arrancou o Oscar deste ano na gala de Hollywood relegando o feioso «Biutiful» para o merecido ocaso e fazendo da sua realizadora, a também dinamarquesa Susanne Bier, uma espécie de mulher gelatina na altura do discurso de agradecimento tão nervosa estava a senhora.
Mas acontece que mesmo em filmes sofríveis, como é este «Num Mundo Melhor», o cinema europeu tem o condão de fazer filmes para um público adulto [e este “adulto” nada tem a ver com a idade dos que vêem cinema] ao mesmo tempo que aproxima a ficção tão sensivelmente da realidade que pelo menos uma certa sensação de satisfação permanece em nós já depois do seu visionamento. E isto ainda que tenhamos consciência que faltou ali algo. Um porra, um foda-se, sei lá, qualquer merda que aproxime ainda mais o cinema do nosso vai e vem  [disse bem, vai e vem] por cá.
Vejam bem, eu nem sequer sou anti-cinema de sítio algum e muito menos dos americanos já que sou pobre mas não sou mal agradecido e da América vieram muitos dos filmes que me fizeram sonhar.  Mas talvez seja essa a grande diferença dos europeus versus americanos já que se estes últimos nos fazem sonhar, os primeiros rapidamente nos fazem acordar e, se necessário, borram-nos a cara de esterco envergonhados pelo mundo que mesmo que por omissão ajudámos a criar.  E a verdade é que os actores e actrizes europeus têm verrugas na cara, varizes nas pernas e nem todos frequentam o Health Club lá do sítio. Em suma, são pessoas como a maioria de nós e não como aqueles caralhos dos americanos que acordam de manhã já barbeados e bem penteados e não cheiram mal da boca. O diabo que os carregue.